
A vida dos entusiastas de gatos é feita de sensações presentes e passadas. Por um lado os bichanos que gravitam à nossa volta todos os dias, com todos os encantos associados.
Por outro, imagens passadas, embrulhadas em saudades e fotografias, dos gatos que fizeram parte das nossas vidas e entretanto se tornaram boas recordações.
A siamesa da fotografia é a SHIRIKIT, que um dia apareceu à porta de nossa casa em Lisboa. Na altura fiquei na dúvida se alguém a teria lá deixado mas acabei por considerar mais provável ter sido a menina a escolher mudar de residência. isto porque, como entrou, um dia mais tarde também desapareceu...
Pois a SHIRIKIT apareceu-me à porta e adoptou-me literalmente. Instalou-se no meu quarto, sentava-se na secretária ao meu lado quando estava a estudar, mas nunca em cima de livros ou papeis que pudessem atrapalhar, dormia comigo e inclusivé usava a minha casa de banho.
A sua dedicação imensa era directamente proporcional à intensidade da sua língua áspera. Nos muitos momentos de grande intimidade que se dignou partilhar comigo, lavava-me de alto a baixo, não só o cabelo como outras zonas do corpo , chegando a ter que tapar-me todo na cama para obter algum alívio de tanta higiéne...
A verdade é que gostei muito mesmo desta gata.
Mas, cerca de dois anos depois de me ter adoptado, um triste dia dei pela falta dela em casa, e começou uma terrível aflição em crescendo.
Detectivescamente considerei todas as possibilidades e acabei por concluir que os meus irmãos a deixaram sair de casa (nunca apurei qual o verdadeiro culpado entre dois suspeitos - André ou Ana...), ao deixarem a porta aberta do apartamento. A minha querida SHIRIKIT aproveitou a distração e desceu os nove andares do prédio, acabando por sair para a rua, uma avenida com muito transito e movimento. Fiz cartazes que coloquei na rua, perguntei a toda a gente se a tinham visto, e só cerca de 10 dias depois do seu desaparecimento uns funcionários de um armazem anexo ao nosso prédio me disseram o que tinha acontecido.
Fora atropelada à porta do prédio e tinham-na levado para o veterinário que havia lá na avenida, uns blocos mais abaixo. Voei imediatamente até ao dito vet, apenas para conhecer aquilo que passou a ser uma referência de verdadeira besta. O tipo disse-me friamente que não foi prestada qualquer assistência à gata por não haver ninguém para pagar a conta e que ela acabou por morrer na clínica.
Esta história aconteceu nos anos oitenta do século passado mas ainda hoje me sinto indignado sempre que passo à porta da referida clínica.
E quanto à SHIRIKIT, ficaram algumas fotografias, uma enorme afeição e saudades. Muitas...
História e imagem do Gatopardo - 2006